A cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) durante o debate da TV Cultura com candidatos à prefeitura de São Paulo representa, segundo especialistas ouvidos, um sintoma da entrada na disputa eleitoral de outsiders, que não prezam pelos códigos da política tradicional e operam na lógica das redes sociais, onde a violência engaja e traz visibilidade.
Além do caso recente na corrida pela capital paulista, ocorreram episódios recentes de agressão física entre candidatos durante a campanha no Rio de Janeiro e em Teresina (PI).
A agressão do debate de São Paulo ocorreu após uma sequência de insultos e provocações entre as duas partes. Marçal, que já havia tornado pública nos dias anteriores sua vontade de desestabilizar Datena, citou ainda no primeiro bloco uma acusação por assédio sexual contra o tucano. Ao negar frisar que o caso estava arquivado, Datena chamou o ex-coach de “ladrãozinho de banco devidamente acusado e condenado”, referindo-se a uma condenação do candidato do PRTB por furto qualificado em 2010.
No decorrer do debate, Datena repetiu que o suposto caso de assédio trouxe desgastes familiares e exigiu que Marçal fizesse uma retratação. No entanto, o candidato do PRTB seguiu em tom provocativo e citou o choro do adversário em sabatina na semana passada, além de lembrar que, em debate anterior, Datena havido se dirigido até ele com a intenção de lhe dar um tapa, mas não havia sido “homem nem para fazer isso”. Nesse momento, o tucano acertou Marçal com uma cadeira.
Doutor em ciência política e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Fábio Vasconcellos aponta a ocorrência de debates mais agressivos no país desde 2018, quando nomes de fora da política ganharam espaço na arena eleitoral. O especialista avalia que Datena, ele próprio recém-mergulhado neste universo, “entrou na mesma estratégia de Marçal” ao utilizar a violência na disputa por visibilidade.
— O Brasil é um país violento, e o debate, por si só, é dramático. É um encontro ao vivo, no qual candidatos são colocados frente a frente para competir por um cargo. Com as agressões, os candidatos conseguem agendar a discussão política, ao mesmo tempo que os outros oponentes e a discussão de propostas perdem espaço — analisa o pesquisador.
Um boletim da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) mostra o crescimento de ofensas, xingamentos e agressões físicas ao longo desta corrida eleitoral. Somente no segundo trimestre deste ano, foram registrados 128 casos de violência contra lideranças políticas no país, um aumento de 117% no número de casos em relação ao período anterior.
Diretor Executivo do Instituto Travessia e especialista em pesquisas de opinião pública, o cientista político Renato Dorgan aponta que embates de discursos fazem parte da cultura política brasileira, mas casos de agressões físicas são “raros”.
— A rede social acabou espetacularizando os debates. A política, em si, é o oposto da violência física: é o conflito de ideias e de posicionamentos. A arte da guerra que é embate físico. Casos como o ocorrido no domingo são perigosos para a democracia brasileira por mostrar que estamos caminhando para um momento crítico — destaca.
Dorgan aponta ainda que a sociedade “se divide” na reação aos casos de agressões entre políticos. Enquanto uma parcela da população tem interesse e aprova esses acontecimentos, outra se assusta com a violência gratuita. Já um terceiro grupo se frustra com o quadro de candidatos.
— Existe uma grande parte da sociedade que busca ouvir ideias em debates e definir o voto. Marçal alimenta a bolha dele com a estratégia de espetacularização, mas, ao mesmo tempo, assusta eleitores que buscam candidatos mais centrados e que tragam propostas — acredita o pesquisador.
Já Lucas Calil, doutor em Linguística e professor da FGV Comunicação Rio, ressalta que a intensificação das mídias sociais como mediadoras de figuras públicas nos últimos dez anos permite a ascensão política de nomes como Marçal.
— As plataformas digitais e seus responsáveis no Brasil fingem completa abstenção de responsabilidade com o que se passa nas redes e continuam capitalizando com a reciclagem desse discurso. O que faz com que, sobre a lógica da campanha, seja quase impossível candidatos manterem um perfil neutro ou moderado — explica.
A escalada da violência eleitoral chama atenção de diferentes atores da política nacional, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que coordenou, nesta terça-feira, um encontro com os presidentes de todos os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) do país com o objetivo de tratar de medidas para a paz na reta final das eleições.
Violência do Nordeste ao Sudeste
A região Sudeste é a mais atingida por essa violência política, com 47 casos no último trimestre, seguida dos 46 casos da região Nordeste, como aponta o Boletim trimestral da UniRio. Recentemente, dois casos de agressões entre candidatos se destacaram no Rio de Janeiro e em Teresina (PI).
O atual prefeito da capital do Piauí, Dr. Pessoa (PRD), agrediu Francinaldo Leão (PSOL) durante o primeiro debate televisionado entre os candidatos à administração municipal, realizado pela Rede Bandeirantes no dia 8 de agosto. Os dois discutiam sobre os problemas na saúde da cidade quando o aspirante à reeleição caminhou até o rival, que se preparava para a réplica, e desferiu uma cabeçada.
Após o debate, Francinaldo registrou boletim de ocorrência por lesão corporal contra o prefeito. Em suas redes sociais, Dr. Pessoa pediu desculpas à população e afirmou que, antes da agressão, ele estava sendo alvo de ataques e provocações.
Já no Rio de Janeiro, provocações e xingamentos terminaram em agressão física entre o candidato a vereador Leonel de Esquerda (PT) e um grupo de apoiadores do deputado estadual e candidato à prefeitura do Rio Rodrigo Amorim (União). Segundo o petista, Amorim foi uma das pessoas que o atacou, desferindo um chute na cabeça.
O deputado estadual nega as acusações e alega que agiu em defesa própria depois de receber provocações e ofensas. “O youtuber caiu durante a confusão, e o deputado reagiu pedindo para todos os envolvidos se afastarem a fim de acabar com o tumulto”, diz um trecho da nota enviada pela assessoria do candidato.
O PT anunciou dois processos contra Amorim: o primeiro de natureza criminal, movido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e o segundo em âmbito eleitoral, junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), onde o pleito é pelo cancelamento do registro de candidatura do candidato do União.
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