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Entrevista

Conheça a vítima de tortura da ditadura brasileira que inspirou filme "Entrelinhas"

Em conversa, Ana Beatriz Fortes relembra prisão e tortura no Paraná aos 18 anos de idade, retratadas em “Entrelinhas”, novo filme de Guto Pasko

21/08/2024 15h01
Por: Diário da Feira
Fonte: Revista Galileu
História de Ana Beatriz Fortes (interpretada pela atriz Gabriela Freire) é contada no filme 'Entrelinhas'. Na imagem, Daniel Chagas dá vida ao personagem tenente Borges — Foto: Natasha Durski
História de Ana Beatriz Fortes (interpretada pela atriz Gabriela Freire) é contada no filme 'Entrelinhas'. Na imagem, Daniel Chagas dá vida ao personagem tenente Borges — Foto: Natasha Durski

Em 1970, Ana Beatriz Fortes foi presa e torturada ao longo de nove dias pela polícia do estado do Paraná.

Ela era acusada de envolvimento com o movimento estudantil e com a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).

Sua história é retratada no filme Entrelinhas, que estreia no dia 22 de agosto nos cinemas.

“A vida inteira eu tive a sensação de que a qualquer momento pode acontecer alguma coisa ruim. Foi bem traumatizante para mim”, relata Fortes em entrevista à GALILEU. “Agora, mais velha, é que eu consigo ter um pouco mais de tranquilidade. Mas, mesmo assim, eu passo o tempo todo controlando meu cérebro porque fico pensando em alguma desgraça.”

O longa inspirado em fatos reais tem direção de Guto Pasko, e perpassa as ações da ditadura militar (1964-1985) no Paraná, onde, no fim da década de 60, estudantes foram presos por meio da Operação Pente Fino. Essa foi uma das marcas da ditadura militar no estado que permeiam a história por trás do filme.

A Operação Pente Fino foi instaurada pela Delegacia Regional do Paraná e Santa Catarina para prender lideranças de movimentos estudantis sob acusação de subversão no Paraná. Foi nesse contexto que Elizabeth Fortes, irmã de Ana Beatriz, cumpriu pena de 18 meses no presídio do Ahú, em Curitiba. Ela era estudante de jornalismo na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e amiga de Vitório Sorotiuk, à época presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE). A história de Ana Beatriz chegou ao conhecimento do diretor do longa, ainda em 2005, pelo próprio Sorotiuk.

Para Pasko, fazer mais um filme sobre a ditadura brasileira é importante, considerando o contexto atual do Brasil. “O filme chega ao mercado em um momento em que parte significativa da sociedade deseja o retorno da ditadura”, diz o diretor, que destaca a escolha do filme de retratar a ditadura fora do eixo Rio-São Paulo.

As visitas de Ana Beatriz à irmã no presídio foram motivo de perseguição que a levou à prisão em 1970 em Curitiba, quando ainda cursava o Ensino Médio. Poucos dias antes da prisão, ela percebeu que havia alguém a seguindo quando saía de casa. “A gente [do meio estudantil] tinha esse fantasma nos assombrando o tempo todo”, afirma Fortes.

 

Depois do fim

Em 2024, o golpe militar faz 60 anos no Brasil. Mas foi somente há 13 anos, em 2011, que houve esforços para investigar os responsáveis pelas violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, a partir da instauração da Comissão Nacional da Verdade (CNV). As datas abarcam um período em que se considera que a democracia não estava consolidada, entre o fim da Era Vargas (1930-1945) e a instauração da Constituição vigente, em 1988.

“Boa parte dos filmes [sobre ditadura] que a gente tem são de figuras que estavam na militância política e eram mais conhecidas”, reitera Guto Pasko. “Quantos anônimos foram torturados nos porões da ditadura?”, questiona.

Em novembro de 2012, foi criada a Comissão Estadual da Verdade do Estado do Paraná. Em relatório, o ano de 1974 tem destaque pela “intensificação das operações de caça aos comunistas”, como a Operação Marumbi, iniciada em 1975. Ela é considerada a mais violenta do estado, e levou à prisão de cem pessoas. Dessas, 65 foram indiciadas no que deu início ao Inquérito Policial-Militar (IPM) 745, que detalhou as ações da operação com o objetivo de relatar a presença do comunismo no estado e apurar supostos crimes cometidos.

No contexto da CNV, aconteceu em 2013 uma Audiência Pública em Foz do Iguaçu para ouvir vítimas e testemunhas de violações de Direitos Humanos na região da tríplice fronteira (região de fronteira entre Argentina, Paraguai e Brasil, em Foz do Iguaçu), da qual Ana Beatriz participou. Na ocasião, ela relatou o que viveu durante os dias em que foi presa.

Ainda em Curitiba, na década de 70, Fortes foi levada ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), onde policiais encontraram uma carta em sua bolsa. Ela pegou o bilhete no presídio com colegas de sua irmã e deveria entregá-lo para um conhecido que já havia sido solto e era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). “Era uma carta normal, não tinha nada, nenhum código. Mas, na hora que me prenderam e pegaram essa carta, os caras acharam que tinha alguma coisa ali no meio”, conta.

Ao ser interrogada, inventou a história de que havia recebido a carta no colégio de um desconhecido, e que não conhecia o destinatário. “Não queria falar que a carta foi escrita pelo pessoal que estava preso, e também não queria ‘dedurar’ o cara que iria receber essa carta. Eu sabia que ele era importante na UNE e procurado no Brasil todo.”

Fortes foi levada de Curitiba a Foz do Iguaçu, onde interrogações e tortura continuaram — Foto: Natasha Durski

Após dias de tortura no DOPS e no Quartel do 15º Batalhão do Exército, Fortes foi levada para Foz do Iguaçu, onde funcionava uma célula da VAR-Palmares. A organização foi fundada em 1969, e visava a derrubada do regime ditatorial. Durante a viagem, sofreu ameaça de ser jogada do avião quando sobrevoava as Cataratas.

Em Foz do Iguaçu, ela não teve contato com outros presos além de Izabel Fávero, com quem dividiu cela. “Eu escutava os caras gritando, sendo torturados”, conta Fortes. “Em Curitiba eu tinha levado choque, e lá [em Foz] eles me fizeram tirar a roupa, me penduraram no pau de arara.”

O longa retrata algumas cenas de tortura no DOPS, a exemplo da cadeira do dragão. Ela consistia em uma cadeira de madeira envolta por uma folha de zinco que se conectava a um regulador de voltagem – basicamente, uma cadeira elétrica improvisada.

“Eu fiquei muito calma o tempo todo, até no filme a menina [personagem que a interpreta] é mais nervosa”, declara. “Quando ele [sargento] me devolveu em casa e voltamos de ônibus de Foz do Iguaçu, ele falou para mim ‘você tá de parabéns, você é uma guerrilheira; vou escrever uma carta de recomendação para o [Carlos] Lamarca’, tirando uma com a minha cara.” Morto em 1971, Lamarca foi um capitão do Exército que se tornou líder da luta armada contra a ditadura militar.

Fortes conta que o filme lhe provoca uma sensação paradoxal. “Ao mesmo tempo que se está resgatando uma história, o que para mim faz bem porque parece que encerra todo esse ciclo, eu fico revendo coisas que eu queria esquecer.”

No longa produzido pela GP7 Cinema, Ana Beatriz Fortes é interpretada por Gabriela Freire. O filme participou da mostra Cine PE 2023 em Pernambuco.

 

Assista ao trailer abaixo:

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