Publicada em 14/08/2023 ás 09:48:10
As últimas semanas foram marcadas pela violência e medo
para quem vive na Bahia. Entre os dias 28 de julho e 4 de agosto, uma série de
operações policiais na periferia de Salvador e em cidades da região
metropolitana deixaram um saldo de mais de 30 mortos.
A situação reflete um crescimento apontado desde 2015,
quando o estado registrou 354 mortes vítimas de intervenção policial. O ápice
desse cenário aconteceu no ano passado. Segundo informações do Fórum de
Segurança Pública, o número de mortes saltou para 1.464. O estado assumiu a
liderança do ranking no quesito, ultrapassando o Rio de Janeiro.
Em 29 de julho, sete pessoas morreram após ação policial na
cidade de Camaçari. De acordo com o governo estadual, as vítimas faziam parte
de uma facção criminosa. Dois dias depois, nova ação da policial, desta vez na
pequena Itatim, com 15 mil habitantes: oito pessoas mortas, incluindo três
adolescentes.
No dia 31, mais quatro pessoas morreram na cidade de
Jaguarari. Por fim, na sexta-feira, 4 de agosto, 10 pessoas foram mortas pela
polícia em duas ações distintas, ambas em Salvador: cinco no bairro de IAPI e
outras cinco na região de Águas Claras.
"A Bahia tem um longo histórico de violência policial
letal e esta característica se relaciona com diversos fenômenos sociais,
políticos e institucionais, dos quais destacamos o racismo e a escolha do
terror policial como política de segurança pública e gerenciamento das
desigualdades sociorraciais.", afirmou à DW Brasil Samuel Vida, professor
e coordenador do programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da
Bahia (UFBA).
"Temos visto um reforço do comando da polícia de que a
letalidade faz parte do seu entendimento de eficácia em sua política pública, o
que é muito grave do ponto de vista institucional, jurídico e, claro,
humano", complementa Dudu Ribeiro, historiador e coordenador executivo da
Iniciativa Negra Por uma Nova Política De Drogas.
Questionada pela DW Brasil, a Secretaria de Segurança
Pública afirmou em nota que os casos de intervenção policial com resultado
morte na Bahia apresentaram redução de 5,8% no primeiro semestre de 2023 e
destacou que 19 armas foram apreendidas durante os confrontos. "A SSP
ressalta ainda que são constantes os investimentos em capacitação, tecnologia e
inteligência para as forças de segurança do Estado, buscando sempre, como
principal objetivo, a preservação de vidas, bem como a legalidade das ações
policiais."
Influência do crime organizado O discurso de guerra às drogas utilizado pelas autoridades
e criticado por professores e ativistas convive com a presença de facções
criminosas no Nordeste. Em janeiro deste ano, a Polícia Rodoviária Federal
(PRF) divulgou que as apreensões de cocaína no estado aumentaram quase 150% em
2022 - de 870 quilos em 2021 para 2.160 quilos no ano passado.
Em maio, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou
que uma facção regional, a Bonde do Maluco (BDM), estava aliada ao Primeiro
Comando da Capital (PCC) e havia transformado uma ilha na Baía de Todos os
Santos em um ponto de logística de transporte, fornecimento e exportação de
drogas e armas.
Outras cidades, sobretudo no interior, como Jequié,
Camaçari, Santo Antônio de Jesus e Simões Filho, que figuram entre as mais
perigosas do Brasil, segundo o Fórum de Segurança Pública, vivem imersas em
disputas do narcotráfico.
"Há uma intensa movimentação de disputas territoriais,
tanto no interior, como na capital, que implicam em novos arranjos criminosos
arquitetados através de conflagrações de elevada intensidade, com alto custo de
vidas, além da disseminação da violência e medo entre as comunidades mais
atingidas", explica Samuel Vida.
"Uma característica importante da violência na Bahia é
a pulverização das organizações regionais. O tráfico alimentou um processo de
disputa pelo território que se acentua. Esse contexto, que já é violento, piora
ainda mais pelo reforço das estratégias propostas pela secretaria de segurança
pública, que foca seus esforços na lógica do tiroteio, do confronto, e não da
investigação", aponta Dudu Ribeiro.
Violência contra negros O ativista, no entanto, aponta que o discurso de
"guerra às drogas" é falho, porque não tem conseguido acabar a
violência e a capilaridade das organizações e, por outro lado, tem ajudado a
aumentar os ataques contra negros e pobres, sobretudo os mais jovens.
Em 2020, um estudo a Iniciativa Negra em Salvador mostrou
que as abordagens policiais tinham resultados distintos de acordo com a
localidade. Com base nos dados Secretaria de Segurança Pública, a organização
revelou que bairros majoritariamente negros registraram 79 ocorrências por
uso/porte de substâncias ao passo que o número de homicídios dolosos e
violências somaram 209 registros.
Já os bairros com maioria branca e próximos ao centro
registraram 151 casos de uso/porte de substâncias entorpecentes e, ao mesmo
tempo, houve 33 casos de homicídios dolosos. Em novembro do ano passado, a Rede
de Observatórios de Segurança mostrou que, das 616 pessoas mortas em decorrência
de ação policial no estado em 2021, 603 eram negras.
"Essa dita guerra às drogas é uma liberação para o uso
da força contra o corpo negro. Essa pesquisa mostra que o julgamento por parte
do policial acontece antes mesmo de algo ser encontrado", salienta Dudu
Ribeiro.
O que pode ser feito Dudu Ribeiro, Samuel Vida e Vilma Reis convergem ao avaliar
que a instalação das câmeras no fardamento policial deva ser a primeira atitude
da Secretaria de Segurança Pública. O governo do estado já disse que o
equipamento foi adquirido e promete colocá-lo em funcionamento até o fim do
ano. "A implementação é urgente, para controlar a atividade policial, que
detém o monopólio do uso da força, evitar abusos como e proteger a cadeia de
provas em um eventual processo militar", comenta Dudu Ribeiro.
Vilma Reis afirma que o governo precisa criar uma Ouvidoria
Externa, não vinculada às polícias estaduais, para receber denúncias e ser um
elo com a sociedade civil. A medida é compartilhada por Samuel Vida. "É um
controle externo da atividade policial que precisa estar ativo o mais rápido
possível", diz ela, que atuou como Ouvidora Geral da Defensoria Pública.
Eles também defendem uma participação maior da sociedade
civil na formulação de políticas públicas. "É urgente a instalação de um
gabinete de emergência que reúna representações governamentais, as
universidades e a sociedade civil, especialmente as mães e familiares de
vítimas da violência estatal, para a formulação de políticas de reorientação da
ação policial na Bahia", analisa Samuel Vida.
Essa reorientação, segundo Vilma Reis, passa também pelos
investimentos na área de segurança pública. "O modelo brasileiro não é de
investigação, mas de confronto. Ou então são as operações de vingança, como
vimos na Baixada Santista", ressalta ela.
"Esse modelo trata a população como inimiga. A política de segurança deve mudar já na distribuição dos recursos, já que a maioria da verba é destinada para armamento e aquisição de munição. Isso mantém a estrutura armamentista. Devemos olhar para a formação do policial, os sistemas de inteligência, de investigação. É preciso haver um resquício de democracia nessa distribuição", finaliza a socióloga.
Por Diario da Feira via G1
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